Vamos viajar no tempo até o México de 1930. O mundo ainda não havia mergulhado na Segunda Guerra Mundial, mas os ventos da tensão já sopravam forte na Europa. A Guerra Civil Espanhola estava em curso — episódio que inspiraria Picasso a pintar sua famosa obra Guernica. Enquanto isso, na América Central, o Partido Comunista ganhava força, especialmente entre artistas e intelectuais. Entre os engajados, estava o muralista Diego Rivera, marido de Frida Kahlo.
Mas é sobre outro gigante das artes mexicanas que queremos falar: David Alfaro Siqueiros.
Nascido em 1896, Siqueiros adotou o nome “David” graças a um apelido carinhoso dado por sua esposa, em referência à icônica escultura de Michelangelo. Assinava suas obras com o sobrenome materno — escolha inspirada em artistas como Picasso e o poeta Lorca — rompendo com a tradição patriarcal e já mostrando seu espírito contestador.
Ainda jovem, envolveu-se com a revista independente “Vida Americana”, que difundia ideias marxistas. Viajou com o Exército Constitucional pelo interior do México e, ao retornar, publicou o manifesto “Uma nova direção para a nova geração de pintores e escultores americanos”, que propunha uma pintura conectada às virtudes clássicas, mas com um olhar contemporâneo sobre o cotidiano.
Após uma temporada na Europa — onde conheceu Diego Rivera e se encantou com o cubismo de Cézanne — Siqueiros retornou ao México. Lá, foi convidado pelo ex-presidente Álvaro Obregón para colaborar com o secretário de Educação, José Vasconcelos. A missão? Educar o povo através da arte pública, dando origem ao movimento Muralista Mexicano.
Trabalhando ao lado de Diego Rivera e José Clemente Orozco, Siqueiros participou da criação de murais em edifícios públicos, praças e universidades. Utilizavam a técnica do afresco, pintura feita com pigmentos sobre argamassa úmida, permitindo que a tinta se fundisse à parede.
Entre suas obras mais icônicas está O Enterro de um Trabalhador, no Colégio Chico — uma fusão da estética cubista com o compromisso social.
Durante os anos 1930, incomodado com os rumos do regime político, Siqueiros passou a produzir litografias que denunciavam o totalitarismo e a censura. Essas obras foram exibidas nos Estados Unidos, o que acabou levando-o à prisão por alguns meses.
Após ser libertado, estabeleceu-se em Los Angeles, onde seguiu desenvolvendo murais e participando de exposições. Embora fosse rotulado por críticos como um “artista comunista”, suas obras eram antes de tudo uma poderosa crítica ao imperialismo norte-americano.
Sua técnica evoluiu — passou a usar materiais pouco convencionais como spray, fuligem, areia e o famoso dripping, criando texturas intensas e carregadas de significado.
Siqueiros e o nascimento da Action Painting
Em 1936, foi convidado para a exposição “Arte Contemporânea”, na Galeria St. Regis, em Nova Iorque. Durante o evento, conduziu um workshop de arte e política em homenagem ao May Day Parade — o Dia do Trabalho no calendário socialista.
Pollock, até então influenciado pelo cubismo e surrealismo, encontrou em Siqueiros um mentor que o apresentou a novas técnicas e materiais. Foi nesse ambiente experimental que nasceu o embrião do que viria a ser o Action Painting, movimento posteriormente nomeado pelo crítico Clement Greenberg.
A obra The She-Wolf é considerada o marco da virada técnica de Pollock, utilizando areia, spray e vernizes sobre camadas intensas e sobrepostas de tinta — marca registrada do artista.
Pollock, que viria a se tornar capa da Life Magazine e um dos artistas vivos mais influentes de sua geração, sempre carregou em sua trajetória as sementes plantadas por Siqueiros.
Pollock faleceu precocemente em 1956, vítima de um acidente de carro, deixando sua esposa e também artista Lee Krasner. Sua influência, no entanto, ultrapassou fronteiras.
Uma de suas obras, Número 16 (1950), chegou a fazer parte do acervo do MAM – Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro — doada por Nelson Rockefeller. Foi a única obra de Pollock na América do Sul até ser leiloada em Nova Iorque e migrar para uma coleção privada, por conta de dificuldades financeiras da instituição brasileira.
Já David Alfaro Siqueiros faleceu em 1954, aos 77 anos, no México, lutando contra um câncer. Mas sua visão revolucionária e seu comprometimento com a arte pública transformaram para sempre o papel do artista na sociedade.
A história de Siqueiros nos lembra que a arte vai muito além da estética — ela é instrumento de transformação social, ferramenta de resistência e semente de novas possibilidades.
E, por vezes, um simples workshop pode mudar o rumo da arte mundial.
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