O artista visual Jabim Nunes nos convida a uma profunda reflexão sobre a ocupação dos espaços, a construção de lares e as narrativas que habitam as periferias. Sua nova exposição, Ocupação, que toma conta do Centro Cultural dos Correios RJ, é uma experiência imersiva que nos transporta para um universo onde a madeira bruta se transforma em poesia.
Uma Trilogia da Resistência Dividida em três atos, a mostra nos apresenta um panorama completo da obra de Jabim Nunes. Em Assentamento, o artista explora a beleza da madeira em sua forma mais crua, simbolizando a busca por um lugar para chamar de lar. Cada peça é um convite à construção de uma narrativa pessoal, onde a fragilidade e a força se entrelaçam.
Em Terra Batida, a atenção se volta para a resiliência das comunidades. Através da representação de compactadores de solo, ferramentas essenciais na construção de casas populares, Jabim Nunes homenageia o trabalho árduo e a força de vontade de quem busca construir um futuro melhor.
Complexo nos transporta para a dinâmica urbana das periferias. A partir de caixotes de madeira, o artista cria um retrato vibrante da vida nas comunidades, celebrando a criatividade e a capacidade de adaptação de seus moradores.
A Poesia da Madeira Em cada uma dessas séries, a madeira se revela como um material vivo, capaz de contar histórias e emocionar. A partir de sua textura, cor e forma, Jabim Nunes cria um universo visual rico e complexo, que nos convida a olhar para o mundo com outros olhos. A exposição é um convite à reflexão sobre a nossa relação com o espaço, com a comunidade e com a natureza.
OCUPAÇÃO - a diáspora nossa de cada dia
“Apenas quando somos instruídos pela realidadeé que podemos mudá-la.” - Bertolt Brecht
É intrínseco ao pensamento artístico oferecer para a coletividade um olhar crítico sobre seu tempo, seu lugar, seus mecanismos interrelacionais sem, contudo, ser mero espelho social. Ao artista sintonizado com essa dinâmica cabe a função, a seu critério, de agir, mesmo que tateando nos acontecimentos, sob o escrutínio da razão procurando compreender os longos percursos ideológicos que permeiam nossas vidas. Todos somos conduzidos pelos eventos que nos precedem. Porém, alguns são mais sensíveis que outros no que tange ao modo como esses efeitos oscilam e reviram nossas realidades.
Jabim Nunes, que em meados dos anos 90 do século passado desenvolveu ações culturais em bairros periféricos da região metropolitana do Rio de Janeiro, é esse artista sensibilizado pelo convívio que teve em assentamentos nos quais desenvolvia ações de fomentação e interação com comunidades mobilizadas com o único anseio de ter seu espaço de abrigo, convívio e esperança. É dessa interação que surge a instalação Assentamento, sobras de madeiras que vão compor um mosaico de memórias e afetos, fragmentos de uma possibilidade de resistência e existência tensionadas, madeiras sobrepostas que irrompem umas sobre as outras na tentativa de delimitar uma parte do mundo em que se sinta acolhido. Essa diáspora cotidiana que se instituiu no país como por exemplo o eufêmico êxodo rural – que nada mais é que resultado da concentração fundiária –, trouxe consequências danosas para populações inteiras que se veem obrigadas a migrar de uma área para outra, se veem empobrecidas, destituídas mesmo de cidadania, tendo como último recurso a ocupação de espaços ociosos; ora aqui, ora acolá, essa população vive em constante deslocamento, seja no campo e/ou na cidade. Umas das intervenções imediatas nas áreas ocupadas é aplainar a terra, torná-la habitável, e seu principal instrumento é o compactador de solo, equipamento já largamente desenvolvido pela indústria, mas que na população desprovida de qualquer recurso tecnológico é ainda manualmente produzido e movido por força braçal. A impactante instalação Terra Batida nos dá uma dimensão do esforço bruto que esses soquetes demandam no seu manuseio, do estado precário e rústico que enfrentam esses grupos sociais na luta pelo direito à terra e à moradia.
Na instalação Complexo o artista faz questionamentos com foco sobre territórios já instituídos pela ocupação “irregular”, sem critérios urbanísticos, apenas deixados ficar, sob cuidados sempre paliativos, posto que vistos à margem da sociedade. Em suas palavras, o artista nos convida a refletir sobre “a força e a resiliência dos seus moradores ao se manterem sobreviventes com o mínimo de recursos disponível, defendendo a memória da permanente realidade.” Milton Santos, geógrafo e intelectual brasileiro, já interrogava, também nos anos 90 do século passado em seu livro Técnica Espaço Tempo, se “há uma relação entre dinâmica territorial e a manifestação da consciência social”. Sua conclusão, assim como o artista, é pelo entendimento do conteúdo geográfico circundante “para uma ação deliberada e renovadora.”
O despojamento dos materiais aliado ao rigor da fatura de Jabim Nunes nos revela um aspecto distinto em sua trajetória permeada pelas premissas de formas simples, mas não simplistas. Há aqui comprometimento técnico, sem faltar emoção; não há renúncia, há desejo; não há ilusões, mas fatos concretos. Só por meio da percepção dos fatores e argumentos que implicam nosso estar no mundo é que poderemos, como nos alerta Brecht, fazer a revolução.
Ocupação, a exposição, é resultado dessa experimentação e pesquisa desenvolvidas desde 2020 pelo artista, trabalho profícuo e significativo em tempos ainda fragilizados pela ignorância humana.
Curadoria: Osvaldo Carvalho
Local: Centro Cultural dos Correios
Datas: De 17/07/2024 a 31/08/2024 - Terça a Sábado das 12h às 19h
Endereço: Rua Visconde de Itaboraí, 20 - Centro, Rio de Janeiro
Entrada gratuita
Foto: Flavio Salgado
Perfil da artista
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